MULHERES EM MOTOCLUBES TRADICIONAIS

MULHERES EM MOTOCLUBES TRADICIONAIS

É comum que os motoclubes tradicionais não aceitem mulheres motociclistas como membros, mas sim como acompanhantes, namoradas ou esposas dos homens do clube. Essas mulheres são tratadas com muito zelo e proteção, são muito respeitadas perante todo o clube e as que compreendem seus papéis, têm orgulho de estarem sob a sombra de seus parceiros. Elas entendem qual a razão de não poder opinar no clube do parceiro e se alegram em ostentar os símbolos do clube, exclusivos para elas, que determinam suas identidades e pertencimento a família. Amam ser garupas, inclusive, delimitando esse espaço exclusivo delas, para o bem de qualquer uma "outra" que ouse sentar nesse lugar de honra.

Mas será que essa suposta "exclusão" das mulheres motociclistas pelos motoclubes tradicionais é motivada por machismo? Ou seja, pela crença de que as mulheres são inferiores aos homens e não têm capacidade, habilidade ou direito de participar do universo das motos? Ou haveria outras razões por trás dessa atitude?

Para responder a essa questão, é preciso analisar a origem e a história dos motoclubes tradicionais, que surgiram nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, quando muitos veteranos retornaram ao país desiludidos, desajustados e sem perspectivas. Eles encontraram nas motos, especialmente nas Harley-Davidson, um meio de expressar sua liberdade, rebeldia e resistência ao sistema. Eles formaram grupos que se opunham às normas e às leis da sociedade, vivendo à margem, em constante conflito com as autoridades e com outros clubes rivais. Eles criaram uma cultura própria, baseada em valores como lealdade, honra, respeito, irmandade e coragem. Eles se consideravam os verdadeiros motociclistas, os únicos que viviam de acordo com o espírito das motos.

Nessa cultura, as mulheres não tinham espaço, pois eram vistas, na época, como frágeis, vulneráveis e dependentes. Muitas delas não podiam acompanhar o ritmo, a aventura e o perigo que os homens enfrentavam nas estradas, nas brigas e nas festas. Aliás, o estilo de vida arriscado e desgarrado dos homens daquele momento era oposto à romantização que essas mulheres idealizaram. Qualquer treta em um clube desses sempre foi resolvido na porrada, nas ameaças e inclusive, nas mortes geradas. Geralmente, em um motoclube tradicional, tudo é resolvido no mano-a-mano (tornando-se em uma grande desvantagem para elas) e até nos dias de hoje, é difícil ver mulheres que se comportam do mesmo modo (infelizmente?). Outro detalhe é o risco da atração entre os sexos opostos e seus desdobramentos dentro do clube e seus efeitos e influências nas decisões e rumos do clube. Aliás, muitos foram os clubes que tombaram e se esfacelaram devido a guerras, internas e externas que foram criadas pelos ciúmes e paixões entre os dois sexos. Elas não podiam compreender ou compartilhar dos ideais e dos sentimentos que uniam os homens do clube. Não como hoje as mulheres independentes e inteligentes já sabem fazer. Elas não podiam, enfim, fazer parte da família que os motoclubes tradicionais representavam.

Portanto, pode-se dizer que os motoclubes tradicionais não aceitam mulheres motociclistas, mas não por serem machistas, no sentido de desprezarem ou discriminarem as mulheres por sua condição de gênero. Eles não aceitam mulheres motociclistas porque elas não se encaixam na cultura, na história e na identidade que eles construíram ao longo dos anos. Eles não aceitam mulheres motociclistas porque elas representam um desvio, uma mudança, uma ruptura com os valores e as tradições que eles preservam e defendem.

No entanto, isso não significa que os motoclubes tradicionais estejam certos (são uma contracultura e sempre serão) ou que as mulheres motociclistas devam se conformar com essa situação. Pelo contrário, as mulheres motociclistas têm todo o direito de reivindicar seu espaço, sua voz e seu reconhecimento no mundo das motos. Elas têm todo o direito de formar seus próprios motoclubes, mistos ou exclusivos, com suas próprias regras, hierarquias e códigos de conduta. Elas têm todo o direito de pilotar suas motos com orgulho, competência e paixão. Elas têm todo o direito de serem respeitadas, admiradas e apoiadas por todos os motociclistas, independentemente do gênero, do clube ou do estilo.

As mulheres motociclistas são um exemplo de resistência, de superação e de empoderamento. Elas são um exemplo de que o motociclismo é uma atividade que pode ser praticada por qualquer pessoa que ame as motos e a liberdade que elas proporcionam. Elas são um exemplo de que o motociclismo é uma atividade que pode unir as pessoas, não separá-las. Elas são um exemplo de que o motociclismo é uma atividade que pode promover a diversidade, a tolerância e a paz.

Comentários

  1. Estamos no Brasil, não devemos somente copiar a cultura de outrem porque é uma condição cultural. Devemos valorizar as mulheres que também amam o motociclismo e que as vezes também querem descer da garupa e voar. E que não tem problema em ser garupa, que pode ser garupa mais pode ser motociclista. Sinto que sou excluída, que não me encaixo naquela cervejada toda e papo de homem brincando com brinquedos que aumentaram de tamanho. Dentre milhares de assuntos que podíamos conversar, minha prosa situa-se em meio o que me tomou a ter aquela “motocicleta”, em
    Torno de quantos km já fiz e pra onde rodei .Veja bem, eu tô há anos na estrada, só que nunca quis ibope, porque o único espírito que quero viver é de comunhão com quem ama o que amo. Aquela linda motoca ao som de um bom rock, com os amigos e pre-amigos. Mentira seria se fosse verdade que me acolhem. Me recepcionam enquanto fico no silêncio por não beber , mas viver.

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    1. Entendo o que quis dizer, porém, o texto é exatamente para desmistificar experiências negativas que você descreveu no seu comentário. Não sei se você percebeu, mas o texto tenta explicar as razões desse "machismo" aparente, que independe de imitar culturas ou não. Isso faz parte de nossa condição humana. Pelo menos no final do texto, espero que você tenha entendido a importância que damos às mulheres, seja em nossas garupas ou atrás do tanque (da moto!) Kkkk. Obrigado pelo comentário e um grande abraço!

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